Giovanni Mollio da Montalcino

 




O qual foi pela sua confissão de fé morto em Roma a 5 de Setembro de 1553

Não te quero esconder como nestes últimos dias, aqui em Roma, onze homens acusados de heresia foram conduzidos à Igreja da Minerva, para aí renegar e abjurar a sua fé na presença dos cardeais  destinados a julgar os heréticos. Este acto ocorreu com grande pompa e concurso de muitíssima gente. Entre eles estava um, chamado Montalcino, monge da ordem dos Franciscanos, excelentíssimo e celebérrimo pregador, o qual estava firmemente decidido a não renegar a sua fé, mas a testemunhar e dar razão dela diante de qualquer pessoa. Por isso, depois que todos os outros renegaram a sua fé e só ele constantemente perseverou na confissão feita, foi ele reconduzido ao cárcere e ultimamente condenado a ser queimado, e com ele um outro, Perugino, tecedor de seda, o qual não acreditava no purgatório, nem nas indulgências, nem na santidade do papa; mas dizia publicamente o papa não ser de modo nenhum o vigário de Cristo, mas o próprio anticristo, e que os cardeais são semelhantes aos escribas e aos fariseus, mais não fazendo estes do que conduzir, com a sua falsa e errónea doutrina, as almas à danação eterna.

No dia 5 de setembro estes dois foram conduzidos ao mercado chamado Campo Fiore, e como nos tempos antigos os apóstolos se separaram dos fariseus e dos escribas, assim os nossos dois mártires partiram com ânimo alegre. Perugino foi primeiro enforcado, e perto de morrer a Deus se recomendou, exclamando: Deus, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.

Depois dele veio Montalcino, o qual, aproximando-se do patíbulo, disse ao carnífice que fizesse sem demora o que lhe tinha sido ordenado, porque ao ver Perugino ser enforcado, o seu coração tinha desfalecido. Porém, se recompôs e pediu licença para falar. E depois que a multidão fez silêncio, disse estas palavras:

"Eterno, Omnipotente Deus, são tão grandes os meus pecados diante de ti, que nesta hora eu mereço não somente a morte do meu corpo, mas também a perdição eterna da minha alma. Ora, como vejo e sei que não posso confiar-me às minhas próprias forças, à minha justiça e às minhas obras impuras, venho a ti, confiando já não no meu mérito, mas na tua imerecida graça e misericórdia, nas tuas promessas; e pelos méritos do teu Unigénito e dilectíssimo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, peço-te e suplico-te de usar misericórdia para comigo, perdoando-me os meus pecados e socorrendo-me com a tua graça; pois eu sei que não queres a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Agora falta-me toda a ajuda e protecção por parte dos homens, os quais me abandonaram, e somente a ti me dirijo. Tu és a minha rocha, tu és o meu repouso, a minha esperança e a minha protecção contra todos os meus inimigos, tanto conhecidos como desconhecidos. Esta é a minha completa opinião; a minha fé está sobre esta pedra e me atenho a esta coluna; que nem aflição, nem angústia, nem perseguição, nem perigo, nem espada, nem alguma criatura me separará do amor e da minha esperança em ti, que enviaste o teu Filho ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou o primeiro. Nesta minha hora extrema não te apresento as minhas boas obras ou a minha justiça, mas os meus pecados e os meus delitos, para que sejam cobertos e lavados no sangue do teu unigénito Filho. Quero no presente que somente Cristo seja a minha satisfação, somente ele o meu mérito, a minha justiça. E te dou graças por este meu sofrimento e esta minha morte me ser agradável e leve, pois era a tua vontade que eu sofresse este martírio pelo teu nome e pela universal Igreja cristã".

Ora muitos, que estando perto tinham ouvido estas últimas palavras, o exortaram a nomear a Igreja romana em vez de a Igreja cristã universal. Mas ele respondeu que a Igreja de Cristo não está dividida em Igrejas romanas, napolitanas, venezianas ou milanesas, porque todas as verdadeiras Igrejas espalhadas aqui e ali no mundo formam uma só Igreja unida pela fé, a esposa dilecta de Cristo. Havendo então uma só Igreja, não se deveria dividir em várias fracções.

Quando ouviram estas coisas, exclamaram: Bem se vê que este frade está completamente podre. E Montalcino levantou os olhos ao céu e gritou três vezes em alta voz: Jesus! e imediatamente o carnífice o empurrou do cadafalso, o enforcou, depois acendeu o fogo por baixo.

Depois que foi executado, a multidão começou a falar diversamente. A uns despertava piedade, e estes chorando diziam ser coisa mal feita o matar um homem tão honesto. Outros, pelo contrário, defendiam que ele era um perverso luterano e um grande herético, e que se fosse libertado, pudesse seduzir todo o mundo. E ainda se discorre dele em Roma, quem de uma maneira, quem de outra. Mas a sua confissão e a sua oração demonstram que ele tinha o verdadeiro conhecimento e uma fé verdadeiramente cristã, enquanto é manifesto que o papa é um tirano.

Roma, 5 de Setembro de 1553.

Teodoro Elze

 

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